Fazes grandes planos: enormes para o teu baixo orçamento. Roubas.
É o que tens feito, não é? Roubas corações. Bebes o sumo do interior, espremes até não restar uma única gota... depois, saciada, atiras a pobre pele ressequida para um canto, pisando-a de seguida, como se de uma uva se tratasse.
Pobres corações, tão sem jeito perante a tua dança tontinha e falsamente dessincronizada . Tão apanhados de surpresa perante o teu jogo de aranha, maldita, pele negra, corpo peludo e vivência atroz.
Paraíso decrépito, esse onde estás inserida. Não te importas.
Gostas da tua casa de espelhos. Gostas de ver algo que não és, reflectido devido aos erros que a radiação pouco promissora comete contigo. Deténs todo o jogo.
Nunca perderás para a vida.
Encantas colibris e cortas as suas asas com uma tesoura. Pontiaguda. Cedes sob o seu toque frio, ilusão criada pelo corpo, a condutividade térmica demasiado elevada. Inseres as asas nos teus pulsos, voas de volta para onde tudo é tão real como o mundo a que pertences: também ele situado dentro de uma qualquer singularidade ainda não descoberta.
O outro lado. O denominador e o numerador.
Amantes. Com ou sem dinheiro.
Bebes, fumas, aproveitas toda uma arte apenas visível aos teus olhos.
Cansas-te. Culpas-te a ti mesma para te esconderes de uma fraqueza que não aceitas.
Apesar disso, és tão feliz. E esse teu amor louco pelas coisas deixa-te cega, tonta perante tanta luz. Perante tamanha imensidão. Mas é inevitável...
Pensas na vida e ressoam os acordeões num pátio revestido de azulejos com padrões familiares. E tu ficas confusa com tanta informação, tantas cores, tantas figuras geométricas de dimensões diferentes. Tentas calculá-las a todas, comprimento, largura, diâmetro. E quando acabas os cálculos não te dás por satisfeita. Queres mais, e mais...
E caem lasanhas do céu. E aí entendes que o mundo é belo, e que Deus é bom porque existem pratos culinários como a lasanha, que te aquecem os sentidos. Sabe bem aos teus olhos.
E também gostas da lua, e de seda e de chapéus. Ah, tu adoras chapéus!
E fontes de água potável. Adoras molhar a boca, os cabelos, a Rosália. Adoras os dentes inquietos, que insistem em crescer um para cada lado, desobedecendo aos padrões conformistas e errados daquilo que é belo (esteticamente correto, porém!). Mordes de forma ainda mais impreterível. Dói-te o seu crescimento.
Gostas dos vestidos da tua mãe. Porque a tua mãe é muito bonita e tu gostavas de ser tão bonita quanto ela... E porque te deixaram aqui, e o que desejas mesmo é esquecer sistemas reprodutores e voltar a estudar as trajetórias das gaivotas. Aeroportos de gaivotas. Olhas para o céu e não consegues. Não consegues deixar de tentar adivinhar o paladar das nuvens, a vontade de as colorires com missangas, purpurinas: dares-lhes um travo daquilo que não consegues ser. Aproximação por excesso, por defeito. Sempre uma coisa tão dependente da outra. O tal equilíbrio térmico que não dá conta certa.
Porque pensas. E porque pensas tentas agarrar cerejas com as mãos. E fazer brincos com elas. E poupar assim cinco euros em dois pedacinhos de metal barato, que depressa esqueces no fundo de uma caixa que não te servirá para nada.
Excepto a caixa dos chocolates da suíça. Eu gosto dessa. É bonita e o meu pai comprou-a para mim.
Mas ao mesmo tempo, eu gostava de ser capaz de não gostar de alguma coisa. Porque esta sensação de amor permanente, não é lúcida. E eu crio cápsulas dentro de cápsulas, uma espécie de célula vegetal que dispõe de paredes que impedem que ocorra a lise.
Eu não quero que a minha lise ocorra. Terei de colar membrana, e isso daria muito trabalho. Até lá, farei bolas de sabão e sonharei com as galochas cor-de-laranja que deixei perdidas em casa da minha avó. No tempo em que eu não tinha medo de bichos e cultivava alegremente “árvores que dão maçãs” no meu jardim.
Não, provarei a todos que sou capaz de ser muito científica. Descobrirei as lasanheiras, também conhecidas como “árvores que dão lasanhas”. Quando as descobrir, vou querer ter muitas no meu jardim. E comer lasanha e chá de limão e bolo de chocolate todos os dias do ano.
E ensinar à minha Alice que o amor mais certo, mais imediato, mais incompreendido, que eu já tive... não existe. E ela vai entender.
Eu tenho a certeza.
Posso seguir-te?
ReplyDeleteobviamente, e muito feliz pico, pires! :)
Delete