14.5.17

Pequenos peixes solitários a que chamo de palavras

Às vezes as palavras surgem de forma ordeira, são cardumes alinhados, é só deixá-las entrar e passá-las para o papel. Não é o caso, e peço desculpa desde já.
Não posso passar tanto tempo sem publicar... é que gerir esta vida tão cheia de emoções é complicadíssimo, um trabalho a tempo inteiro, principalmente quando vivida com sinestesia. Os meus sentimentos são pequenos vidros coloridos, os meus olhos vêem as sensações como se de caleidoscópios se tratassem. Giro e os sentimentos giram comigo. Às vezes esqueço-me de respirar. E se os piso magoo-me. Respeito os meus sentimentos, respeito todos os sentimentos, porque todos os sentimentos são melhores do que nenhum.

Escrevo isto deitada na cama e o meu corpo pálido e nu parece uma rede de pesca. Peixes finos entram e saem de mim, entram e saem de mim. Quero prender alguns!... mas se os prendo eles acabarão por morrer. E é esta dualidade assustadora do ficar e do partir, do ter e do entregar, do querer e do deixar, que tanto nos assusta a todos. A maneira de lidar é que é diferente e eu tenho de ser paciente e aceitar que o caminho dos outros é tão válido quanto o meu. A gente caminha e há-de encontrar-se em algum lugar. Respira.

E há a dualidade também de aceitar que quem mais amamos será sempre quem mais nos magoa. E as desilusões são portas que, mesmo não querendo, temos de abrir. Assim, eu tenho aberto as portas todas. Ligo a luz e limpo o pó da melhor maneira. Claro que espirro pelo meio, mas é o que é preciso. Sou alérgica ao pó... mas não posso deixar que as aranhas passem para as outras divisões, mais ensolaradas. É que, mais do que alérgica ao pó, tenho medo de aranhas. Respira.

A vida é uma casa e as relações são uma casa. E às vezes quem arranca o telhado são os outros, mas às vezes somos nós. Às vezes somos nós quem se cansa e mudamo-nos discretamente, sem avisar. Pegamos nas coisas e saímos, vivemos sem tecto para nos molharmos outra vez. Coração pequeno e amassado de novo. 

Era inverno ainda quando te conheci, mas vi em ti primavera e quis mudar-me. E tu choveste em mim, e eu mudei-me para um coração que não estava preparado para me receber. Mas eu agradeço-te pela chuva ácida. É que chove, mas não molha. Foi um teste à minha coragem, à minha auto-estima, ao meu amor pela vida e pelos outros. E eu aceitei finalmente que somos todos fracos. Todos mentimos. Todos magoamos quem mais gostamos. Ganho mais compaixão na fraqueza dos outros. 

E quando penso que já limpei todo o pó que havia, novas portas aparecem. Quantas mais haverão que eu não vejo? E tudo dói tanto... a mentira, a desilusão, a inevitabilidade de concluir que somos só pessoas, animais ao fim ao cabo, seres vivos com instintos primários. O caleidoscópio gira e gira e gira e eu fico tonta. Vou a gatinhar para casa. Fico sem ar. Dói essa realização e dói também a consciencialização de que precisamos de fechar os olhos para sermos felizes. As pontes para o outro lado são de vidro e se olho para baixo, caio. E dou a mão para atravessar. Dou a mão a quem me magoa e faço rezas para que não me magoe de novo. 

E apesar de tudo continuo tão feliz. Porque continuo feliz comigo. E só assim poderei ser feliz contigo. Porque aceitar é o primeiro passo para a felicidade. O segundo é o amor-próprio. Deviam insistir mais nisso. Ninguém é perfeito. Nem quem mais tomamos como exemplo. 

Por último, estou tranquila. Estou sã. Continuo feliz. E isto é o que escrevo para mim. Continuo feliz a ouvir o meu CD da Oportuna no carro, a planear as minhas viagens, a apanhar sol enquanto como qualquer coisa boa, a pensar nos donuts que me vais trazer daqui a nada (se te esqueces...), a pensar na temporada que vou viver num país ainda mais frio que a minha alma (socorro! e fui eu que quis, ainda por cima...), e a pensar em como não posso levar nada disto a sério. Se não, enlouqueço. Só quero ser feliz e isso vai ser sempre a prioridade. Ainda que não consiga ser como os outros. Ainda que o meu coração seja um pouco nómada. Ainda que me tenhas magoado. Ainda que te tenha magoado. Agora já não chove. Que este sol dure por muito tempo. E que este ninho seja eterno. 

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