Parar de escrever não é apenas uma escolha consciente, mas uma vicissitude. Recomeçar é continuar o bordado inacabado, é pegar no tear abandonado e prosseguir com o enxoval da vida.
Durante algum tempo quis ser psiquiatra. Queria compreender-me, queria perceber como é que alguém com uma vida tão boa poderia sentir dores tão repentinas quanto acutilantes, num sítio em que não se consegue tocar; uma ferida que não se deixa mostrar. E talvez percebendo pudesse fabricar então uma qualquer poção mágica, qual alquimista dos sentidos, para finalmente ser, quem sabe, realmente feliz.
Ao longo da infância e da adolescência fui-me refugiando em muitas coisas que de certa maneira me confortavam, principalmente os livros escritos por pessoas que pareciam sentir o mesmo que eu.
Ser depressiva enquanto adolescente foi viver numa constante montanha russa, onde a personalidade se escondia na doença e a doença se escondia nas imprevisibilidades da vida.
Procuro a felicidade de forma muito obstinada. Tão obstinada fui que a própria infelicidade me trouxe uma dor ainda maior, a dor da impotência, a de ser infeliz sem saber porquê e não conseguir fazer nada para a contrariar.
Às vezes sinto-me como um daqueles chuveiros horríveis e chatos onde a água está ou demasiado quente ou demasiado fria. Sou facilmente excitável e aborreço-me com igual facilidade.
Após já duas décadas de auto-convivência é ainda difícil para mim perceber quando é que é a personalidade e quando é que é a doença, ou onde é que elas se dividem, ou onde posso eu traçar a linha entre elas.
Agora que estou novamente a tomar medicação, apercebo-me do quão natural é minimizar uma doença que progride de forma tão sorrateira e que a pouco e pouco nos vai retirando qualidade de vida, mascarando-se em cada uma das características individuais da pessoa.
Toda a gente tem direito a ser feliz. Estar doente com uma depressão não deve ser minimizado. Não é normal chorar quase todos os dias sem saber porquê. Não é normal dormir quinze horas por dia, constantemente. Não é normal ter uma alimentação equilibrada, um ambiente familiar seguro e uma vida estável, e mesmo assim viver profundamente infeliz. Nenhuma destas coisas merece ser menosprezada. Estas coisas são sintomas de uma doença que merece atenção e cuidado.
Durante alguns anos tive vergonha de falar sobre isto, por medo que achassem que estava a falar de barriga cheia ou que não fosse depressiva o suficiente para "merecer" falar disto, se é que me faço entender. Agora sinto necessidade de falar disto. Necessidade de que outras pessoas que sofrem diariamente do mesmo saibam que não estão sozinhas, e que há uma saída qualquer.
Não há que fazer tabus de uma coisa tão comum e que prejudica o quotidiano de tanta gente. Procurem ajuda se se sentem assim; não só familiar, mas também (e principalmente) profissional. Há coisas que não se resolvem sozinhas, por mais força de vontade que tenhamos.
Quanto a mim, um bem haja ao Cipralex!
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